Projeto digitaliza obras de arte da Oficina de Criatividade do Hospital Psiquiátrico São Pedro (HPSP) para acesso público e virtual

Financiada pelo FAC Patrimônio, iniciativa irá digitalizar obras produzidas por quatro frequentadores da oficina para que sejam acessíveis online e de forma gratuita

Um livro de poesia na gaveta não adianta nada. Lugar de poesia é na calçada. Lugar de quadro é na exposição”. Os versos escritos pelo cantor e compositor brasileiro Sérgio Sampaio ajudam a entender um pouco da premissa de um projeto que visa tratar e digitalizar obras de arte e liberar para o acesso público. O nome deste projeto é “Salvaguarda e Memória – Artistas do Fora na Oficina de Criatividade do Hospital Psiquiátrico São Pedro (HPSP)”. 

Trata-se de uma iniciativa capitaneada pelo antropólogo, doutor em Antropologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Mário Eugênio Saretta Poglia – que reuniu uma equipe de profissionais ligados às artes visuais e à museologia para a realização do feito. “O projeto já era uma vontade antiga do grupo responsável pela Oficina e, a partir da oportunidade do FAC Patrimônio, vislumbrou-se a possibilidade de execução”, comenta.

O processo de institucionalização do acervo já estava em andamento em parceria com Núcleo de Transdisciplinar Arte e Loucura Tania Mara Galli Fonseca (NuTal) e o curso de Museologia, ambos da UFRGS. Agora, será possível realizar a higienização e digitalização de uma parcela de obras de arte produzidas na Oficina.

PUBLICIDADE

Serão digitalizados 200 trabalhos de quatro frequentadores da Oficina (50 de cada um): Cenilda Ribeiro, Frontino Vieira, Luiz Guides e Natália Leite. Os materiais receberão tratamento de conservação preventiva (higienização, acondicionamentos e armazenamento adequados) e depois serão disponibilizados para acesso público online, através da Plataforma Tainacan – um repositório desenvolvido para acervos museológicos.

O objetivo é promover a preservação do acervo, enfatizando a relevância do material, e sua inserção no recém fundado Museu Estadual Oficina de Criatividade do Hospital Psiquiátrico São Pedro (MEOC-HPSP). Também é uma forma de democratizar o acesso e estimular pesquisas sobre sua trajetória. A curadoria das obras, assinada por Barbara Elisabeth Neubarth e Blanca Luz Brites teve início em julho de 2022. Agora, o projeto passa pelo processo de tratamento técnico, higienização e acondicionamento, seguidos de documentação, pesquisa e digitalização. A previsão do lançamento das obras no ambiente virtual e liberação para o acesso público é janeiro de 2023.

Arte e a Saúde Mental

PUBLICIDADE

O projeto abre a possibilidade de novos olhares para pessoas atendidas em hospitais psiquiátricos. A preservação das obras permite a visibilidade dos ditos “artistas do fora“. Estes tiveram na Oficina um espaço de acolhida, respeito e produção de significado. 

Oficina de Criatividade do Hospital Psiquiátrico São Pedro (HPSP)

Fundada em 1990, reúne nesses mais de trinta anos de atividades um conjunto de obras de pessoas marcadas pelo estigma da loucura. A Oficina e seu acervo foram tema de uma numerosa produção acadêmica, resultante de estágios, programas de extensão e pesquisas de graduação e pós-graduação das mais distintas áreas do conhecimento. Ao longo de sua trajetória, firmou parcerias com várias universidades e recebeu estudantes, professores e demais pesquisadores, emergindo, assim, como relevante equipamento voltado à saúde e à cultura, fomentando o conhecimento e contribuindo com a formação de distintos profissionais. A partir da singularidade de seu acervo, a Oficina surge como um dos significativos conjuntos do país, no que se refere à temática Arte e Loucura, ao lado do Museu de Imagens do Inconsciente (RJ), do Museu de Arte Contemporânea Bispo do Rosário (RJ) e do Museu de Arte Osório César (SP). Em 2017, a Oficina de Criatividade do HPSP recebeu o Prêmio Rodrigo Melo Franco de Andrade, concedido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). 

PUBLICIDADE

Atualmente, o seu acervo contém cerca de 200 mil documentos, bens que ainda não foram, em sua totalidade, inventariados e cuja patrimonialização se dará quando incorporados ao Museu Estadual Oficina de Criatividade (MEOC-HPSP).

SOBRE O IDEALIZADOR

MÁRIO EUGÊNIO SARETTA POGLIA 

PUBLICIDADE

Cientista Social, mestre e doutor em Antropologia Social pelo PPGAS/UFRGS. Atualmente, é professor do curso de Museologia e Artes Visuais na Escola de Música e Belas Artes da Universidade Estadual do Paraná (EMBAP/UNESPAR). Integrante do Núcleo Transdisciplinar Arte e Loucura Tania Mara Galli Fonseca (NuTAL/UFRGS). Dirigiu e produziu Epidemia de Cores, documentário de 2016 que tematiza a Oficina de Criatividade do Hospital Psiquiátrico São Pedro, que esteve em exibição em cinemas brasileiros, mostras, festivais e televisão. Codirigiu e coproduziu Berimbauzeiro, curta-metragem lançado em 2021. Realizou pesquisas etnográficas sobre a alteridade e o real nas temáticas da loucura, da dor e do efeito placebo. Sua tese recebeu o prêmio de Melhor Tese em Ciências Sociais da Região Sul/Centro-Oeste/Distrito Federal 2020 concedido pela Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS) e, consequentemente, foi escolhida uma das três melhores do Brasil. 

SOBRE AS CURADORAS

Barbara E. Neubarth – Dra. Educação (UFRGS), com a tese: NO FIM DA LINHA DO BONDE, UM TAPETE VOA-DOR: a Oficina de Criatividade do Hospital Psiquiátrico São Pedro (1990-2008): inventário de uma práxis. Bacharel e Licenciada em Psicologia (PUCRS). Bacharela em Artes Visuais (UFRGS). Especialista em Psicoterapia de Orientação Analítica (Centro de Estudos Luis Guedes/CELG/Faculdade de Medicina/UFRGS) Psicóloga concursada da Secretaria de Estado da Saúde (SES/RS). Fundadora e coordenadora da Oficina de Criatividade e Acervo (1990-2019). Atual consultora na Oficina de Criatividade e Acervo (HPSP) e curadora do Museu Estadual Oficina de Criatividade do Hospital Psiquiátrico São Pedro (MEOC-HPSP). Participa do Núcleo de Extensão Transdisciplinar Arte e Loucura Tania Mara Galli Fonseca NuTAL/UFRGS.           

PUBLICIDADE

(ID Lattes: 6945217647492488) [email protected]

Blanca Luz Brites – Dra. História da Arte (Universidade de Paris I – Panthéon Sorbonne).   Professora titular (aposentada) do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do Instituto de Artes (UFRGS), com pesquisas vinculadas as temáticas da museologia, curadoria, acervo e arte no RS. Coordenou o Acervo Artístico da Pinacoteca Barão de Santo Ângelo IA/UFRGS de 2001 a 2011. Faz parte como voluntária da Coordenação do Acervo da Oficina de Criatividade do Hospital Psiquiátrico São Pedro, desde 2003, a partir da curadoria da exposição de Luiz Guides no MARGS; junto com a profª. Tania Mara Galli Fonseca fez a curadoria da exposição Eu sou Você no HPSP, em 2010, promoção do Museu da UFRGS. Curadora, com Leandro Selister e Paula Ramos da Microgaleria Arte Acessível do StudoClio Instituto de Arte & Humanismo, em Porto Alegre, de 2005 a 2017. Publicou: Cerâmica um caminho de vida: Marianita Linck. (org) Porto Alegre, Editora Imagens da Terra: 2017; A Pinacoteca Barão de Santo Ângelo. in: Pinacoteca Barão de Santo Ângelo: Catálogo Geral – 1910-2014. Porto Alegre, Editora da UFRGS: 2015, vol. I e II. Membro do Comitê Brasileiro de História da Arte, (CBHA) e da Associação Internacional de Críticos de Arte AICA. Curadora adjunta do Museu Estadual Oficina de Criatividade do Hospital Psiquiátrico São Pedro (MEOC-HPSP). Participa do Núcleo de Extensão Transdisciplinar Arte e Loucura Tania Mara Galli Fonseca NuTAL/UFRGS.

(ID Lattes 6757996415119570) [email protected]

PUBLICIDADE

SOBRE OS ARTISTAS QUE TERÃO AS OBRAS DIGITALIZADAS:

Luiz Guides (1922-2010), nascido em Rio Grande/ RS passou mais de 50 anos internado no HPSP, foi dos primeiros a frequentar a Oficina de Criatividade desde sua abertura. Aqueles que o acompanharam puderam registrar como ele foi se apropriando das cores e, aos poucos, construindo de forma espontânea uma identidade plástica marcada pela repetição formal. Iniciava seus trabalhos inserindo números na folha e depois a preenchia com quadrados e círculos que lembravam relógios, nos quais as cores são exploradas com arranjos que surpreendem pela força que instauram. Era uma pessoa de poucas palavras, olhar sereno e que, por vezes, parecia entender o que se passava quando suas obras eram expostas. Para Edson Sousa, “[…] as pinturas de Guides, em seu valor de obras de espírito, como propunha Paul Valéry, nos lançam uma série de enigmas. Coloca em cena uma reflexão sobre como situarmos no tempo da imagem, do inacabado e, sobretudo, testemunha com suas cores e traços metódicos, a função da arte como forma de introduzir vertigens e coordenação em nossas vidas” (SOUSA, 2012, p. 118).5

Frontino Vieira (1914-1993) Nos trabalhos de Frontino há uma vibração de cores dominada por linhas que dançam soltas, formando uma espécie de texto criado somente para seu entendimento, que, como afirma Barbara Neubarth, lembravam ideogramas da escrita japonesa. Por vezes, pela quantidade de trabalhos num mesmo dia, podemos ver bem que ele ia aumentando a quantidade de formas em cada nova folha, como uma sequência, e agora podemos interpretar como uma série, ou como um grande conjunto. Pessoa afável, passou parte de sua vida dentro desse manicômio, onde tinha a tarefa de varrer o chão de sua unidade, o que fazia com muito zelo. Frequentou a Oficina de Criatividade desde o início, mas sua idade avançada permitiu que lá estivesse somente por três anos. 

PUBLICIDADE

Cenilda Ribeiro (1952-1999) Retrata figuras com familiaridade, muitas das quais são identificadas pelos detalhes das vestimentas, através dos quais se reconhece o tradicional jaleco dos médicos ou enfermeiros. A figura masculina está muito presente em seus trabalhos e é sempre mostrada com o rosto de frente, como se olhasse deliberadamente o espectador, talvez como se o interrogasse. Para Cenilda, a escrita é uma constante. Há momentos em que esta acompanha seus desenhos; em outros, somente preenche suas folhas. Por vezes, ela constrói seu desenho a partir de letras, acompanhado de um texto que mostra a ideia de repetição. Processo que em muito se aproxima dos recursos da arte contemporânea, embora ela não tivesse nenhum conhecimento desta. Entre as várias internações de longos períodos, permaneceu no HPSP por mais de 30 anos.

Natália Leite (1943-2022) Traz para seus desenhos e bordados lembranças de um cotidiano de antes de sua internação, quando vivia em área rural, o que mostra a familiaridade com as formas de animais domésticos com os quais provavelmente convivia, como porcos, vacas, cachorros, galinhas. A ânsia de Natália em colocar todas essas memórias em um mesmo espaço faz com que use imagens sobrepostas, assim como se organizam em seus pensamentos ou simplesmente pelo aproveitamento de papel. Essa sobreposição fica muito clara nos bordados executados de forma linear. Uma cena particular e reveladora aconteceu quando Barbara Neubarth lhe mostrou um desenho da série Alienados feita por Edgar Koetz, em que ela aparece. Depois de 40 anos, ela se reconheceu dizendo: “Sou eu. Foi um retratista”, lembrando do momento em que Koetz a desenhou.

FICHA TÉCNICA DO PROJETO

PUBLICIDADE

Coordenação Técnica e Assessoria Museológica: Pantheon Patrimônio e Cultura (Alahna Rosa, Julia Jaeger e Kimberly Pires)
Museóloga Pesquisadora: Aline Vargas
Assistente de Produção/ Auxiliar museológico (catalogação, higienização e acondicionamento): Julia Ferreira
Assistente de produção: Camila Casarotto Martins
Digitalização: Sabiá Cultural
Webdesigner e Designer Gráfico: Juliana Cardoso
Assessoria de imprensa: Dona Flor Comunicação – Raphaela Donaduce Flores
Contador: DS3 Assessoria Contábil
Assessoria Museológica: Elias Machado e Vanessa Aquino
Curadoras Voluntárias do Acervo: Barbara Elisabeth Neubarth e Blanca Luz Brites
Administração: Mário Eugênio Saretta Poglia
Fotógrafa: Gabriela Mincarone


Assessoria de Imprensa:
Raphaela Donaduce – Dona Flor Comunicação

Fotos:
Gabriela Mincarone

PUBLICIDADE